quarta-feira, 17 de julho de 2013

terça-feira, 16 de julho de 2013

Entrevista com o artista Silvero Pereira

Silvero Pereira
Foto: Reprodução/Facebook
Silvero Pereira com 31 anos de idade já é considerado um dos grandes atores de Fortaleza. O teatro está em sua mente e coração. As inquietudes transformam-se arte no palco. Além de ator, ele é professor, diretor, pesquisador, produtor, figurinista assim é o jovem que tem na sua bagagem muita história para contar.


Silvero é considerado pelo o seu público como a vedete do teatro cearense. O ator vem desenvolvendo um trabalho significativo que une pesquisa, experimentação estética/artística e comprometimento político com as questões do movimento Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBTTT). O artista enfatiza que a sua fonte de inspiração é a sociedade em geral. 









Em uma entrevista pingue-pongue o artista fala sobre a sua história, a importância da profissão em sua vida, assim como o conceito dos seus espetáculos. Confira.


A infância
Lucas Almeida: Você começou a trabalhar muito cedo, aos 12 anos de idade. Como foi esse período em sua vida?

Silvero Pereira: Éramos uma família “pobre de jó” que comíamos apenas arroz no almoço e jantar. Já o café da manhã tinha de ser pipoca, porque era o que mais rendia para os cinco filhos. Assim, trabalhar muito cedo era uma forma de ajudar nas despesas. Entretanto, minha mãe sempre me incentivou muito nos estudos, trabalhar sim, mas desde que continuasse estudando. Foi uma fase difícil porque tive pouco da infância, pouco tempo para vivê-la. Mas essa fase também me fez amadurecer muito rápido e aprender a correr atrás das coisas e dos sonhos.

LA: Hoje, você tem contato com a sua família?

SP: Tenho ótima relação familiar. Sempre que posso vou à Mombaça, interior do Ceará, e fico dias com a minha família e os meus sobrinhos. Mas devido a minha agenda isso ficou cada vez mais complicado.

O teatro
LA: Por que fazer teatro?

SP: Hoje? Porque não sei fazer outra coisa que me der mais prazer, felicidade e satisfação.

LA: Quais as dificuldades que existiam e que ainda existem para exercer a sua profissão?

Foto: Divulgação
SP: Respeito profissional, contratos de qualidade e políticas públicas culturais descentes e eficientes.

LA: Você tem algum apoio do Governo, empresas privadas?

SP: Nada, sou produtor independente.

LA: Sua fonte inspiração?

SP: A sociedade em geral.
LA: Qual a reação da plateia ao ver os seus espetáculos?

SP: Outro dia ouvi duas coisas bem legais de espectadores. A primeira dizia que eu sou a “vedete do teatro cearense”. Já a segunda, e a que me deixa mais feliz, foi que ele disse que eu popularizei o teatro em Fortaleza, contribui para transformar o teatro em algo “mais povão”.

 LA: Cerca de 250 apresentações do mesmo espetáculo (Uma Flor de Dama). Orgulho?

SP: Hoje são 369 apresentações em 10 anos de trabalho. Tenho muito orgulho disso, mas tenho muita certeza que nada é para sempre, por isso estudo, reinvento e sigo experimentando.

LA: Ator, dramaturgo, diretor, professor de teatro, dançarino. Algo a mais?

SP: [Rsrsrs] Maquiador, iluminador, sonoplasta, aderecista, militante, produtor, figurinista. Eu entrei no teatro com os dois pés, fiz questão de aprender um pouco de cada área para saber exatamente onde devo agir.

Foto: Divulgação
La: Qual a sua “missão” como professor de teatro e ator?

SP: Eu já disse uma vez que “o teatro me salvou”. Se não tivesse conhecido o teatro não sei para onde teria ido tanta inquietação. Portanto, quero isso. Não é salvar as pessoas, quero que elas descubram no teatro aquilo que consegui ver e que me transformou.

La: De acordo com Carri  Costa e Ricardo Guilherme (diretores e atores de teatro cearenses), na palestra sobre teatro na Livraria Cultura, houve a crítica que os diretores de teatro fazem espetáculos para os próprios artistas. Verdade? Por quê?

SP: Acho que alguns sim, mas eu não. Primeiro porque faço um teatro que acredito e muito. Só subo ao palco se for algo que me faça questionar, provocar, expurgar sentimentos. Eu faço para todo tipo de público e principalmente para eles, não ligo muito para o que a classe artística acha. Tanto que, se eu ligasse já teria desistido há muito tempo atrás de fazer o teatro transformista que faço.

La: Existe alguma diferença entre o seu público local com de outra região?

SP: A única diferença é que em outras regiões eu não sou conhecido. No Ceará, tem uma coisa muita linda que é o fato do público reconhecer e apostar no meu trabalho. Já em outras regiões eu sempre chego à estaca zero, abrindo espaço. Entretanto, em outras regiões a receptividade tem sido muito grande e gratificante. 

O espetáculo “Uma flor de dama”

LA: O que lhe fez fazer uma adaptação do conto “Dama da Noite” do livro “Os Dragões Não Conhecem o Paraíso, de Caio Fernando Abreu para o teatro?

SP: A minha Dama surgiu porque eu passei a conviver com travestis no ano de 2000 e me incomodava muito vê-las tão discriminadas. Assim, usei essa minha questão pessoal dentro do teatro no intuito de provocar o social.

Cena de "Uma Flor de Dama"
Foto: Divulgação
LA: Você teve que “se prostituir”. Ir às ruas com as prostitutas para saber na prática a vida de cada uma delas. O que aprendeu com essa experiência?

SP: Eu de fato fui para as ruas e acompanhei o dia e a noite das meninas, mas não tive que me prostituir, era um trabalho de laboratório de ator. Eu aprendi a respeitar, a conhecer antes de julgar, a dar afeto antes de machucar.

LA: Qual a relação entre “Uma flor de dama”, “Cabaré da dama” e “Engenharia Erótica”?



Engenharia Erótica
Foto: Divulgação


SP: São espetáculos em repertório do Coletivo Artístico As Travestidas que tratam do mesmo tema: Universo Trans. Uma Flor de Dama é de 2002. Cabaré da Dama é uma progressão do Solo Uma Flor de Dama, sendo de 2008. Já o Engenharia Erótica é um estudo cênico intitulado por nós como “teatro-documentário” e teve sua estreia em, 2010.
O Coletivo também tem outros trabalhos como: Publicidade: Translendário 2012 e 2013. Vídeo: Glossário, Glossário 2ª Lição, Travestir de Deus 1 e 2, Elas só querem um Salto Babado. Musical: Yes, Nós Temos Bananas (2012). Teatro: BR-TRANS (2013)

LA: No monólogo, Uma Flor de Dama, você diz “Eu sou nordestina, pobre, do interior e viado.” Você refere-se a si mesmo?

SP: Sim, existem várias coisas no espetáculo Uma Flor de Dama que são de minha vida. Não achava justo expor a vida das meninas que pesquisei e sair ileso.


Fonte: Youtube/SilveroPereira



Especial Silvero Pereira
Fonte: YouTube/NossaTribo

Travestir
LA: O que é ser travestir?

SP: Gente, como qualquer outra. O que a sociedade preconceituosa precisa descobrir é que estamos em um mundo onde as diferenças estão na cara, não há mais como esconder e nem por que. Logo, aceitem as diferenças.

LA: Quem são essas garotas? Qual o papel das mesmas na sociedade? Qual a posição da família quanto a isso?

SP: A travestir é o filho renegado. Elas são marginais porque a família, a religião, a escola e o mercado de trabalho não aceitam (em sua maioria), por isso viram marginais. Elas precisam criar um novo mundo para poder sobreviver.

LA: Como é a vida de uma travestir?

SP: Depende. Existem advogadas, doutoras, mestras, enfermeiras, atendente de telemarketing, prostitutas, domésticas, cabeleireiras e tantas outras. Porém, algumas possuem uma grande dificuldade de viver por conta da discriminação, mas a vida de uma travestir deveria ser igual à vida de qualquer pessoa que não sofre com uma sociedade hipócrita e cheia de paradigmas.
LA: Se você tivesse a oportunidade de falar em rede nacional o porquê que as travestis são pessoas normais, tem um trabalho digno, têm seus princípios, enfim. O que você teria a dizer?

SP: A travestir só será aceita no dia em que a família, a religião, a saúde e a educação entenderem o respeito pela diferença. Só assim elas deixarão de ser marginais, pois terão oportunidades de viver em paz, sem precisar passar por tanta humilhação e agressão. Qualquer ser humano que leva pancada a vida inteira vai aprender a ser agressivo, ter o corpo e a mente atenta para revidar. Isso não é qualidade de travestir. É do ser humano o estado de defesa, de medo e de luta. Por isso, somos todos iguais, pois todos sentimos as mesmas coisas.

LA: Como o Governo pode “amenizar” o preconceito que existe em relação a elas?

SP: Escola, escola, escola. Digna e de respeito. Ensinando desde cedo a respeitar o outro pelo seu direito de amar a quem quiser.

O translendário
"O Último Truque" faz referência ao quadro "A Última Ceia", de Leonardo da Vinci
Foto: Divulgação
LA: Qual a intenção em ter criado o translendário?

SP: A mesma de todos os nossos trabalhos: questionar sobre o papel da travestir na sociedade. Fazer as pessoas falarem a respeito, enxergarem elas em outras situações que não a da marginalização, decadência ou prostituição.

LA: Qual a reação das pessoas em relação ao translendário?

SP: Ama ou odeia. Quem odeia, ou é religioso extremista ou é preconceituoso. Quem ama entendeu nossa questão e percebe que não se trata de ofensa, mas sim de grito de liberdade. 


Silvero Pereira agradece seu público - Translendário 2013
Fonte: YouTube/NossaTribo



Paraíba, RN
LA: O que de fato houve em Paraíba: prepotência dos policiais?

SP: Total abuso de poder. Estávamos passeando pelas ruas, em Paraíba, quando fomos abordadas de maneira agressiva e sem necessidade. Fomos insultadas verbalmente e ameaçadas com arma pelo simples fato de tomarmos cervejas travestidas numa esquina da cidade.

LA: Como o acontecimento foi questionado entre os amigos e a imprensa?

SP: A Imprensa partiu para o sensacionalismo e não se sentiu interessada em apurar os fatos, apenas em notificá-los por alto e ainda, em algumas, favorecendo a polícia. Já os amigos e o público que conhecem nosso trabalho se sensibilizaram e estiveram nos apoiando, inclusive alguns órgãos da cidade de Sousa (PB).

Porto Alegre, RS
LA: Qual foi a sua missão em Porto Alegre?

SP: Realizar uma residência de seis meses com artistas, travestis, transformistas e ONGs de militância LGBT no intuito de montar um espetáculo de teatro.

LA: Como foi para se adaptar ao local? O que você aprendeu por lá?

SP: Porto Alegre é uma cidade muito receptiva e cheia de oportunidades. Foi muito fácil à adaptação, inclusive com planos de viver mais tempo por lá. Trata-se de uma cidade de respeito, pessoas extremamente educadas, que tratam do lixo seco e lixo orgânico com muita seriedade, uma cidade de acessibilidade e de vida cultural intensa. Cheia de problemas, sim, como toda cidade, mas com uma população que vai às ruas e questiona a todo instante o poder público.

LA: O que Porto Alegre significa em sua carreira?

SP: Um recomeço. Um novo olhar para a minha arte e as minhas perspectivas.

LA: Gostaria de agradecer aos amigos que você conquistou em Porto Alegre?

SP: Faço isso a todo instante através das redes sociais. Amo todos. Fui extremamente bem recebido.

O futuro

LA: Até onde você pretende chegar com a sua profissão?

SP: Não sei até onde pretendo chegar. Sei que quero estudar, fazer mestrado em teatro na cidade de Porto Alegre e rodar o país com um trabalho. No momento sei que quero isso.

LA: O que você ainda pretende conquistar futuramente?

SP: Meu mestrado e voltar a dar aulas de teatro

LA: Algum projeto novo? Detalhes?

SP: BR-TRANS acabou de estrear, preciso me dedicar à carreira desse novo trabalho, mas em outubro estamos indo à Porto Alegre fazer temporada dos espetáculos de repertório do Coletivo As Travestidas e também fechando apresentações por Rio e Sampa.

Pense Rápido
Foto: Reprodução/Facebook
Um sonho
Rodar o mundo trabalhando
Um desejo
Continuar fazendo Teatro
Medo
Perder o foco
Orgulho
Do que conquistei e da pessoa que me transformei
Uma pessoa
Minha mãe.
Encenar
Transformar em físico aquilo que sou por dentro
Agradecimentos
Mãe, As Travestidas, meus alunos, Grupo Parque de Teatro, Inquieta Cia. de Teatro, Paulo Ess, Sandro Ká, Jezebel De Carli, André Haguette, Regina Jaguaribe, ao Cariri e ao público em Geral.
Silvero Pereira por Silvero Pereira
Uma bichim, um menino, um guri, uma criança que mesmo adulto ainda consegue fazer de maior alegria, de sua maior brincadeira, uma profissão.

Engenharia Erótica
Foto: Divulgação
Engenharia Erótica
Foto: Divulgação

Crucificação inspirada em quadro do artista espanhol Salvador Dalí

Foto: Divulgação
BR Trans
Foto: Divulgação

Translendário
Foto: Divulgação

Foto: Thyago Nogueira


Conheça o BR TransTranslendário.

Um comentário:

  1. O seu trabalho é muito gratificante a todos que procuram um lugar de respeito., UM lugar onde merecem recepção mutua de atenção e atenuem um grito de liberdade.
    Espero que um dia este momento seja lembrado e respeitado.
    alexandre1358@gmail.com.

    ResponderExcluir